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"O financiamento das festividades carnavalescas não se enquadra no conceito de interesse público, que é “resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 22ª edição. Sâo Paulo: Malheiros, 2007. Pág. 58. Grifos nossos.)."
Veja abaixo a Recomendação expedida pelo Ministério Público para a Prefeitura de Teresina.
RECOMENDAÇÃO
Nº 001/2013
CONSIDERANDO que a moralidade
administrativa é princípio obrigatório em toda conduta administrativa, significando
o “dever de boa administração”;
CONSIDERANDO que a atuação
administrativa, além do atendimento ao princípio da legalidade, deve atentar ao
princípio da impessoalidade, que exige a licitação de contratação de obras e
serviços públicos, compras e alienações, em igualdade de condições a todos os
concorrentes (art. 37, XXI, CF/88);
CONSIDERANDO que o “dever da boa
administração” implica a melhor escolha por parte do administrador público, no
exercício de suas atribuições, sejam de natureza vinculada ou discricionária,
dentre várias opções de aplicação do recurso público;
CONSIDERANDO que a utilização de
recursos públicos exige a racionalidade e a eficiência da administração pública
no atendimento do interesse público, podendo considerar-se como imoralidade
administrativa gastos indiscriminados com festas populares, além de grosseira
ineficiência da gestão;
CONSIDERANDO as notícias veiculadas
pelo portal Cidade Verde (www.cidadeverde.com)
e G1 (www.g1.com/pi/piaui), que
informam que a Fundação Cultural Monsenhor Chaves pretende promover, em janeiro
e fevereiro do corrente ano, diversas atividades carnavalescas e pré-carnavalescas,
que incluem até mesmo apresentações de bandas de outros estados;
CONSIDERANDO a notícia divulgada
pelo portal Ai5 (www.ai5piaui.com), que, a partir de informações obtidas no
Diário Oficial do Município de 28 de dezembro de 2012, apontou repasse de R$
424.000,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil reais) para a Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, atualmente presidida pelo Sr. Lázaro do Piauí, montante este
que deve ser utilizado nas comemorações carnavalescas;
CONSIDERANDO a situação vivenciada
pelos munícipes teresinenses, que presenciam a falta e a irregularidade na
prestação dos serviços públicos (nas áreas da saúde, educação, moradia,
urbanismo, etc), o que implica na impossibilidade de o Executivo despender
recursos públicos nas atividades do carnaval, seja pela inexistência do poder
de transigir com a lei, seja porque não configurada no caso interesse público a
defender;
CONSIDERANDO que, diante do
princípio da razoabilidade, não é aceitável a gastança de recurso público em
“festa” carnavalesca, ao lado da existência e permanência de sistema de saúde
pública ineficiente e defasado, e o desprezo pela sorte dos cidadãos
configurado no eventual desperdício do dinheiro público e, igualmente, via
indireta de rateio de forma individual;
CONSIDERANDO que os recursos
destinados a tais festas chegam a uma cifra vultosa, considerando-se que, a
título de exemplo, a Lei de do Orçamento Anual de 2013 prevê apenas
R$480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais) para investimentos em
infraestrutura básica na zona rural, e somente R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)
para serviços voltados especificamente para a mulher;
CONSIDERANDO que a prática da
atividade administrativa exige uma motivação justa, adequada e suficiente à
satisfação do interesse público primário, e, portanto, a razoabilidade do gasto
público não pode ser critério individual do gestor público;
CONSIDERANDO a necessidade de
cumprir-se o disposto no art. 71, incisos II e IV, da CF/88, de forma a
propiciar melhor fiscalização sobre todos os gastos realizados pelo gestor
público;
CONSIDERANDO que compete aos órgãos
de controle evitar todo e qualquer desmando ou desvio na aplicação de recursos
públicos;
CONSIDERANDO a necessidade de
compatibilizar a fruição do gozo dos direitos fundamentais pelo conjunto da
população desfavorecida em relação ao total do orçamento público, os quais
podem facilmente ser exigidos, judicial e extrajudicialmente;
CONSIDERANDO que o financiamento das
festividades carnavalescas não se enquadra no conceito de interesse público,
que é “resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de
membros da sociedade e pelo simples fato de o serem” (Celso Antonio
Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 22ª edição. Sâo Paulo:
Malheiros, 2007. Pág. 58. Grifos nossos.).
CONSIDERANDO que, ainda que se
admita que as festas carnavalescas planejadas pela Fundação Cultural Monsenhor
Chaves possam ser consideradas atividades culturais abrangidas pelo conceito de
interesse público, o direcionamento de montante tão expressivo ao carnaval pode
configurar discriminação em relação a outras manifestações culturais, muitas
deles, inclusive, mais genuinamente piauienses, como o reisado e a farra do
boi;
CONSIDERANDO
que o
próprio Prefeito, o Sr. Firmino Filho, reconhece que a situação financeira do
Município é caótico, conforme notícia publicada no portal Acesse
(www.acessepiaui.com.br);
CONSIDERANDO a incongruência de uma
sociedade, onde pessoas vulnerabilizadas ficam em filas nos hospitais públicos
de Teresina para obterem uma consulta ou procedimento especializado; onde os
hospitais não contam com a existência de aparelhos para exames especializados;
onde as famílias não têm onde deixar seus filhos em creches para irem ao
trabalho; onde as escolas não tem quadras para que as crianças pratiquem
esportes, nem bibliotecas; onde as ruas da periferia são grotões, sem
calçamento, ou meros amontoados de LIXÕES; onde os Conselhos Tutelares
descumprem suas atribuições pela falta de estrutura mínima de trabalho para o
mister; onde o serviço de transporte é precário, ônibus velhos, sucateados e
que nem acessam as ruelas e acampamentos do povo trabalhador; onde o saneamento
básico é mera QUIMERA;
CONSIDERANDO que o Estado
Democrático agoniza diante da insensibilidade de governantes que não conferem
validade aos princípios de legalidade e moralidade, preferindo jogar fora os
recursos públicos, esquecendo-se do interesse público acima citado;
CONSIDERANDO que o Município não
pode descumprir o mínimo existencial, abrindo mão da boa aplicação dos recursos
públicos satisfazendo os direitos essenciais dos pobres, consubstanciados em
normas jurídicas, favorecendo, portanto,
o bem estar social;
CONSIDERANDO que o Sr. Firmino
Filho, quando ainda candidato, assinou Termo de Compromisso proposto pelo
Ministério Público, concordando em “reduzir drasticamente as despesas com
publicidade e com eventos festivos”;
CONSIDERANDO que a aplicação dos
recursos públicos devem ser destinados de forma PRIORITÁRIA a cobrir todos os
deveres do Poder Público, notadamente perante à população infanto-juvenil,
ouvindo a população em suas necessidades, em sua casa, em sua intimidade,
ouvindo os que estão longe dos centros de decisão administrativo-política;
CONSIDERANDO que os recursos
públicos, portanto, devem ser destinados à “vida nua” dos empobrecidos e dos
que mais necessitam da atuação do Estado, nos campos da saúde, educação,
moradia e transporte, ou seja, da aquisição de condições de vida digna para
todos, o que implica a escolha de valores verdadeiros e justos na realização de
qualquer despesa pública;
CONSIDERANDO que a desarrazoada
aplicação de verbas públicas em festas populares, contratação de bandas e
alegorias, para burlesca animação de alguns poucos, configuraria ato de
improbidade administrativa, em razão da vigência dos princípios da moralidade,
da ética, da economicidade e do MÍNIMO EXISTENCIAL, inexistindo qualquer
interesse público a resguardar;
RECOMENDA administrativamente esta
Promotoria de Justiça:
1. Ao Excelentíssimo Senhor
Prefeito municipal de Teresina, Dr. Firmino da Silveira Soares Filho, ao
Excelentíssimo Presidente da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, Dr. Lázaro do
Piauí, e a quem quer que lhes suceda ou substitua nos respectivos cargos:
I-
que
seja acatado o inteiro teor desta RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA nos termos das
observações e advertências nelas constantes, para o fim de evitar a
disponibilização de recursos para as atividades carnavalescas e
pré-carnavalescas de Teresina, incluindo a contratação de bandas e a promoção
de festas; adverte-se que o eventual descumprimento ou desobediência aos termos
da presente recomendação, ainda que parcial, poderá implicar na adoção de
medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis;
II-
fixar
o prazo de dez dias, contados do recebimento da presente, para que os
destinatários informem se acataram a presente RECOMENDAÇÃO e relacionem as
medidas que adotaram para o seu fiel cumprimento.
Teresina, 8 de janeiro de 2013.
Leida
Maria de Oliveira Diniz
Promotora de Justiça –
Núcleo da fazenda Pública
Por redação do Agoracontece
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